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Filhos, Enteados e o desafio da mediania

  • Sofia Lavos
  • 1 de fev. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 14 de fev. de 2024


Nos últimos anos assistimos a uma terrível desconfiança e a um motim silencioso de crescente descrédito pelos modelos de avaliação de desempenho nas empresas.



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Daniel, de 55 anos, é administrador de uma multinacional, num setor de atividade dinâmico e muito competitivo, com uma equipa total de cerca de 2000 colaboradores. Todos os meses é sujeito a um escrutínio exigente de apresentação de resultados da sua equipa, que lhe imprime um ritmo de trabalho frenético. São-lhes reconhecidas: a predisposição para as abordagens inovadoras e também as suas reações inesperadas e intempestivas. Daniel com um keen eye para o talento, com intuição e sexto sentido apuradíssimos, tem uma apetência extraordinária para ler a sua equipa, global e individualmente. 



A fase mais dura fase do ano é, para si, a das avaliações anuais de desempenho. Preocupa-se com a seriedade e cumprimento do processo na sua unidade. Quer, por um lado, assegurar a correção da abordagem a cada elemento da sua equipa; e, por outro, garantir a sustentação, equidade e consistência do resultado total.


O desafio de Daniel é o de muitos líderes. Em empresas grandes ou pequenas, é necessário segmentar o talento das equipas para desenvolvê-lo devidamente. Mas é precisamente esta “arrumação” do talento em categorias (tantas vezes condicionadas pelas idiossincrasias do líder) que conduz a enviesamentos, que minam a perceção de justiça e credibilidade das lideranças. Caricaturando, existem…

  • Os Filhos – Numa equipa são aqueles colaboradores mais parecidos com o líder: alinham maioritariamente com as suas opiniões, repetem alguns dos padrões de comportamento (até tiques e expressões) e parecem, aos olhos da restante equipa, como os mais protegidos.

  • Os Enteados – Numa equipa são aqueles que vivendo na mesma casa, estão habituados às regras definidas, vão alinhando com a maioria das orientações do líder, mas olham com sobranceria para os filhos; e apresentam mais diferenças no comportamento que eles, com mais contestação e, de quando em quando, uma pitada de “irreverência”. 

  • Os Não Alinhados – Tantas vezes indiferentes ao comportamento do grupo, guiam-se pelas suas perceções, são fiéis às suas opiniões e manifestam-nas habilmente na maneira de estar e no comportamento desviado face ao padrão. Não são necessariamente indisciplinados no cumprimento das suas obrigações profissionais, mas desafiam-se constantemente em escolher o “seu” caminho.

  • Os Outros – Numa equipa são o grupo que constitui a mediania, que sustenta o funcionamento de toda a estrutura. Falta-lhes, muitas vezes, a voz e ficam escondidos no protagonismo dos restantes.


É fácil caricaturar. Difícil é fugir à ratoeira do enviesamento

Como fazê-lo?

  • Calibrar o juízo de valor: Pensar Depressa e Pensar Devagar 

Como Daniel Kahneman ensinou: o pensamento intuitivo é altamente influente nas decisões e conduz muitas das escolhas e juízos de valor que se fazem diariamente. Ora, a propensão inata que os líderes têm na classificação e avaliação das pessoas conduz a sobreavaliações daquilo que compreendem (como as equipas se comportam) e a subavaliações do contexto e do acaso (o momento e circunstância na qual os seus elementos se encontram). Aos líderes requer-se uma disciplina constante para questionar racionalmente este padrão de pensar depressa.


  • Acolher a diferença, com respeito e humanidade!

Os líderes emocionalmente inteligentes sabem como é estruturante para a prosperidade da sua equipa saber integrar a diferença. É um exercício exigente que também requer disciplina e confiança. É importante ouvir constantemente as opiniões divergentes e ter a obsessão de não as ocultar; fomentando esses momentos no seio da equipa. Um bom líder deverá saber receber feedback e, sobretudo, criar um clima de confiança e humanidade, onde os perfis diferentes tenham espaço para se manifestar num clima de respeito e reciprocidade. 

“Eu respeito que somos diferentes. Como podemos colaborar, para concretizar e evoluir?”. Este deverá ser o mantra.


  • Mergulhar na Mediania 

Os líderes devem ter a iniciativa, com a regularidade possível, de se mostrar presentes a todos (com visitas às equipas ou outras iniciativas que personalizem a sua liderança); de ouvir informalmente quem normalmente tem menos oportunidade de se expressar; e de auscultar formalmente as equipas (através de diagnósticos regulares). As perceções dos colaboradores sobre as decisões de gestão e a sua motivação, regulam a temperatura e desenham a cultura da empresa.


Atualmente os dilemas da equidade, o desafio da inclusão e a ambição da coerência da avaliação de desempenho, são postos à prova num contexto de equipas tão diversas. 

As lideranças equilibradas, emocionalmente inteligentes e inclusivas exigem: presença, atenção e dedicação.


Que a diferença ganhe espaço, que a mediania se exprima e que a consciência e os dilemas de Daniel sejam os de todos os líderes… rumo a edificação de culturas organizacionais mais sólidas e prósperas.

 
 
 

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